ANÁLISE SOBRE O LIVRO A QUESTÃO JUDAICA, DE KARL MARX - TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
23-10-2010 20:03
FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
Kassiano César de Souza BAPTISTA
O CONCRETO, O ABSTRATO E OS LIMITES DA IGUALDADE POLÍTICA
São Paulo
2007
Kassiano César de Souza BAPTISTA
O CONCRETO, O ABSTRATO E OS LIMITES DA IGUALDADE POLÍTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Sociologia e Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, como requisito para obtenção do título de bacharel em Sociologia e Política.
Orientadora: Profª Drª Roseli Ap. Martins Coelho
São Paulo
2007
FOLHA DE APROVAÇÃO
Autor: Kassiano César de Souza Baptista
Título: O concreto, o abstrato e os limites da igualdade política
Conceito: ____________________________________________
Prof. (a): ____________________________________________
Assinatura __________________________________________
Prof. (a): ___________________________________________
Assinatura: ___________________________________________
Prof. (a): ____________________________________________
Assinatura: ___________________________________________
Data da aprovação: ______________________________________
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que participaram, cada um a sua maneira, da minha trajetória intelectual e humana durante a graduação, em especial, aos meus pais. Devo honrosas considerações à minha orientadora Profª Drª Roseli Aparecida Martins Coelho pelos anos de convivência e paciência, à professora Drª Eliana Asche e ao professor Drº Ivan Russef por ensinar-me a navegar na arte da escrita. A todos, muito obrigado!
RESUMO
Este Trabalho de Conclusão de Curso trata da relação entre a cidadania - no sentido de igualdade política conquistada pelos homens no Estado democrático moderno - e a desigualdade social oriunda do advento do capitalismo, estruturado em classes antagônicas. Mostra-se neste trabalho a contradição entre igualdade abstrata e desigualdade concreta, baseada na crítica a essa abstração que Karl Marx faz na sua obra A Questão Judaica, de 1843. Além disso, outros temas relacionados são abordados, por exemplo: os limites e a importância da igualdade política no âmbito do Estado, a relação entre emancipação política e emancipação humana, e a possibilidade de uma igualdade concreta entre os homens.
Palavras-chave: cidadania. Estado democrático. Desigualdade social. Igualdade concreta.
ABSTRACT
This paper talks about the relation between the citizenship - as a meaning of a politic equality conquest by men on modern democratic state - and the social inequality appared with the capitalism, structured on opposite social classes. This paper evidences the contradiction between abstract equality and concrete inequality, based upon the critique to that abstraction made by Karl Marx on his book The Jewish Question, written on 1843. Besides, there are another themes broached here, like: the limits and the importance of political equality into the State, the relation between political emancipation and human emancipation, and the possibility of a concrete equality among the men.
Key-words: citizenship. Democratic state. Social inequality. Concrete equality.
“A cidadania é a máxima abstração possível ao nível político. Todo cidadão, independente de sua posição de classe, recorre à formação do poder estatal corporificado no Direito e nas instituições. Com isto, tal abstração converte-se em fundamento de um poder voltado à reprodução da sociedade e da dominação de classe que a articula”.
O’Donnell
SUMÁRIO
1 CIDADANIA: A HISTÓRIA DE UM CONCEITO
1.1 A Cidadania na Grécia e na Roma antiga
1.2 Revolução Francesa: advento da Cidadania moderna
1.3 Jean-Jacques Rousseau e a Cidadania
2 KARL MARX: A QUESTÃO JUDAICA E OS LIMITES DA IGUALDADE POLÍTICA
2.2 Direitos do indivíduo versus Direitos do cidadão
2.3 Emancipação política e emancipação humana
3 DEMOCRACIA E CAPITALISMO: DOIS ATOS DE UMA MESMA TRAGÉDIA
3.1 Igualdade abstrata versus desigualdade concreta
3.2 Cidadania e igualdade concreta
3.3 Por uma igualdade concreta
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi motivado pelas discussões promovidas em disciplinas cursadas no sexto semestre da Escola de Sociologia e Política de São Paulo: Política VI e Análise de Políticas Públicas I (APPI). Em ambas tive o primeiro contato com o conceito de cidadania. Digo conceito, pois cidadania é uma palavra que extrapola o ambiente científico, estando presente cotidianamente na vida dos atores sociais.
O incentivo para estudar cidadania deve-se ao fato de que muito se fala dela, inúmeras coisas são atribuídas como sendo inerente a ela, entretanto, pouco se sabe de fato sobre esse assunto.
O livro em que tive o primeiro contato com o tema - tanto no curso de Política VI quanto no curso de APPI – foi do sociólogo inglês T.H. Marshall chamado Cidadania, classe social e status, publicado primeiramente em 1949. Marshall foi o primeiro teórico a sistematizar e a definir o que é a cidadania, o que a compreende, sua evolução e o impacto que ela exerce no sistema de classes sociais. De lá para cá, todos os intelectuais que trabalham, ou que trabalharam com o conceito de cidadania se referem a esse autor e a essa obra.
Com a leitura desse livro e com os debates em sala de aula com colegas, me ocorreu uma questão: como pode haver uma igualdade entre os homens numa mesma sociedade, na qual há desigualdade econômica? Em outros termos, como igualdade e desigualdade convivem juntas numa mesma sociedade? Conversando com os professores que ministravam as disciplinas de Política VI e APPI, percebi que teria que voltar para a antiguidade clássica (Grécia e Roma) e, também, para os séculos XVIII e XIX - especificamente para a Europa – no intuito de entender o surgimento do Estado moderno, e os direitos universais propagados pela Revolução Francesa, de 1789. Assim, talvez, conseguiria indícios que sanasse a minha dúvida.
Num bate-papo informal num bar do centro da cidade de São Paulo com um amigo, no qual conversávamos sobre vários assuntos (formações das sociedades, existência ou não do estado de natureza, surgimento histórico do capitalismo) me dei conta que um pensador que poderia me ajudar a compreender a relação, a convivência entre igualdade e desigualdade na sociedade moderna, calcada no sistema de classes antagônicas que vivem constantemente em tensão, era o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883).
Portanto, o objetivo deste trabalho é discutir, a partir da obra A Questão Judaica (1843), do pensador alemão Karl Marx, a relação entre igualdade política no Estado democrático burguês versus a desigualdade social. Serão abordados os limites da cidadania política, no que diz respeito à inclusão das classes trabalhadoras nos direitos civis, políticos e sociais, na perspectiva da contradição apontada por Marx entre igualdade política e desigualdade social. Para tanto, a base do trabalho será uma discussão bibliográfica sobre o assunto.
Antes, quero frisar que não será base para o trabalho a discussão entre jovem Marx e velho Marx. Assim, a abordagem aqui feita pretende fugir desse divisor.
No primeiro capítulo será feita uma abordagem histórica da cidadania, com vista à contextualização da discussão, partindo das cidades-estado gregas, passando pela Roma antiga até chegar na Revolução Francesa, de 1789 e na importância do pensamento de Jean-Jacques Rousseau para a cidadania moderna. No segundo, será lançada mão da crítica de Karl Marx sobre a importância e os limites da igualdade política no Estado moderno, a questão dos direitos da cidadania dos judeus, a crítica que o autor faz aos Direitos do Homem e do Cidadão e, por fim, a relação entre emancipação política e emancipação humana. No último capítulo, uma reflexão entre democracia e capitalismo completa o trabalho, terminando com uma perspectiva de real igualdade entre os homens.
Com esse percurso, o objetivo é sanar a dúvida de pesquisa sobre a relação entre cidadania – igualdade política - e desigualdade social no sistema de classes sociais antagônicas.
Por fim, este trabalho pretende trazer este tema para o debate teórico, com vista a ajudar os homens no seu anseio de construir uma nova estrada que os leve a um destino diferente daquele proposto pela conjuntura atual de dúvidas e incertezas.
1 CIDADANIA: A HISTÓRIA DE UM CONCEITO*
Nessa parte do trabalho será feito um panorama sobre a história da cidadania, mostrando o seu surgimento e a sua consolidação na Grécia e na Roma antiga, com o foco na não separação entre indivíduo e comunidade. Após isso, saltaremos para os séculos XVII e XIX onde se engendra a cidadania moderna, a partir da Revolução Francesa, de 1789. Indivíduo e comunidade se separam e há uma re-significação do conceito de cidadania. Por fim, será realizada uma reflexão da importância do legado do “cidadão genebrino” Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) para a cidadania moderna e, também, a motivação que o seu legado teórico proporcionou aos ideais radicais dos homens durante o século XIX.
1.1 A Cidadania na Grécia e na Roma antiga
Cidadania, tal qual o ocidente a conhece, tem inspiração no mundo greco-romano e pode ser traduzida como “... a idéia de democracia, de participação popular nos destinos da coletividade, de soberania do povo, de liberdade do indivíduo”. (GUARINELLO, 2003, p. 29)
As Cidades-Estado gregas formaram-se entre os séculos IX e VIII a.C. em contextos de intensas mudanças econômicas e sociais. Eram, basicamente, comunidades agrícolas nas quais, cada família camponesa detinha a posse da terra para cultivar os produtos para sua subsistência, e para a troca de excedentes com outras famílias.
Segundo um estudioso da Antiguidade Clássica,
De modo geral, podemos dizer que as cidades-estado formavam associações de proprietários privados de terra. Só tinha acesso à terra, no entanto, quem fosse membro da comunidade. As cidades-estado foram o resultado do fechamento, gradual e ao longo de vários séculos, de territórios agrícolas específicos, cujos habitantes se estruturavam [...] como comunidades, excluindo os estrangeiros e defendendo coletivamente suas planícies cultivadas da agressão externa. (Ibid., p. 32-33)
Um dado importante a ser ressaltado dessas cidades-estado é que indivíduo e comunidade (esfera pública e esfera privada) não se separavam – ao contrário da sociedade civil burguesa (séculos XVIII e XIX) que, como veremos no capítulo II, separava a esfera pública da esfera privada (indivíduo e comunidade). De modo que todos os conflitos internos às cidades-estado tinham que ser resolvidos no âmbito da comunidade. Assim,
Indivíduo e comunidade, portanto, não se negavam reciprocamente na cidade-estado antiga, mas se integravam numa relação dialética. O indivíduo, proprietário autônomo de seus meios de subsistência e de riqueza, só existia e era possível no quadro de uma comunidade concreta – que possuía, por assim dizer, de modo virtual o território agrícola. [...] Seus conflitos internos [...] não podiam ser resolvidos no âmbito das relações de linhagem, nem pelo recurso a uma autoridade superior a todos. Tinham que ser resolvidos comunitariamente, por mecanismos públicos, abertos ao conjunto dos proprietários. Aqui reside a origem mais remota da política, como instrumento de tomada de decisões coletivas e de resolução de conflitos, e do Estado, que não se distinguia da comunidade, mas era sua própria expressão. (Ibid., p. 33)
Na citação acima, notam-se dois aspectos fundamentais: primeiro, os gregos não separavam a esfera pública da esfera privada e, segundo, está implícita a exclusão de outros membros das cidades-estado. Somente “o proprietário autônomo” era considerado indivíduo, cidadão. As mulheres, os escravos e os estrangeiros eram excluídos da esfera pública, não tendo o direito, por exemplo, de decidir sobre o destino da comunidade.
No que se refere ao pertencimento à comunidade e às “desvantagens” que havia para quem vivesse fora das cidades-estado:
Como já ressaltava o filósofo grego Aristóteles, fora da cidade-estado não havia indivíduos plenos e livres, com direitos e garantias sobre sua pessoa e seus bens. Pertencer à comunidade era participar de todo um ciclo próprio da vida cotidiana, com seus ritos, costumes, regras, festividades, crenças e relações pessoais. (Ibid., p. 35)
A cidade-estado grega na qual a participação dos cidadãos no poder atingiu o mais alto grau foi Atenas. Entretanto, mesmo essa participação política sendo restrita aos cidadãos masculinos, a democracia[1] ateniense ecoa no imaginário político dos cidadãos até hoje. Em Atenas, a participação direta no poder político exercido pelos homens, legislando e decidindo sobre aspectos comuns à vida em comunidade, representou um grande avanço à época, pois foi a primeira vez na história da humanidade que pessoas de diferentes camadas sociais (ricos e pobres) puderam tomar decisões políticas que reverberavam sobre toda comunidade e, também, sobre os rumos da cidade-estado. Todavia, como nos mostra Guarinello, o espaço público explicitava a contradição, a oposição entre ricos e pobres dentro da democracia ateniense.
Assim,
[...] [Atenas] representou uma experiência notável de participação direta no poder de todas as camadas sociais, independentemente da riqueza ou posição social. [...] Os ricos, que se acomodaram como puderam ao sistema democrático, foram obrigados a contribuir com a comunidade de várias formas, construindo naves de guerra, financiando espetáculos e festas religiosas. Grande parte do sucesso da democracia ateniense deveu-se, sem dúvida, ao império constituído após as guerras contra os persas, cujos benefícios, em tributos e terras cultiváveis, foram distribuídos para os mais pobres. [...] De qualquer modo, a abertura do espaço público, como espaço de conflito, tornou clara a oposição ente ricos e pobres. O desenvolvimento das trocas comerciais pelo mediterrâneo e a crescente importância dos escravos não fizeram senão aumentar cada vez mais as desigualdades no interior das cidades-estado. (Ibid., p. 40-41)
Entretanto, entre os romanos, a cidadania (civitas) englobava, também, os povos conquistados. Formada a partir do domínio etrusco, Roma herdou desses, dentre outras coisas, a bipartição social entre patrícios e plebeus, clivagem social base da estrutura social romana.
Segundo um historiador,
A cidade romana formou-se, então, sob o domínio etrusco e até o próprio nome da cidade parece derivar de uma estirpe etrusca, Ruma. Os etruscos nunca formaram um único Estado, mas foram fundamentais para o desenvolvimento das estruturas sociais das cidades itálicas e, em particular, de Roma. [...] A sociedade etrusca era formada por dois grupos: a nobreza, que compunha o conselho de anciãos, e o restante da população, em posição subalterna e sem direitos de cidadania. Essa bipartição social foi transferida a Roma na posterior consolidação de dois grupos sociais, os patrícios (detentores da ‘nobreza de sangue’) e os plebeus. (FUNARI, 2003, p. 50)
É na conquista de direitos, entre outros, políticos pelos plebeus que se constitui, para o pesquisador, a chave para o entendimento da cidadania romana. Entretanto, diferentemente de Atenas onde o espaço público deu visibilidade aos conflitos sociais entre ricos e pobres, em Roma a conquista de direitos políticos pelos plebeus não representou um abalo à sociedade romana.
Ao longo da história romana os plebeus conquistaram o seu espaço na política e, em
Os direitos de cidadania romana, principalmente políticos e civis, eram concedidos à povos conquistados, sem que esses perdessem a sua cidadania local. Essa dupla cidadania era importante por ser a “única a garantir proteção jurídica”. Exemplo claro disso é uma passagem do Novo Testamento da Bíblia, na qual o apóstolo Paulo de Tarso, quando preso pelo tribuno romano, apela para a sua cidadania romana, dizendo ao magistrado que sendo ele cidadão romano gostaria de ser julgado pelo tribunal romano. Ou seja, Paulo não quis ser julgado como “um homem qualquer”, pois como um cidadão romano tinha o direito de ser levado ao tribunal e ser julgado conforme às leis romanas. (Ibid., p. 65-66)
Contudo, a cidadania antiga, passando das cidades-estado gregas ao Império Romano representa, sobretudo a democracia ateniense, a primeira vez na história da humanidade que a participação no poder político e as decisões dos rumos de uma determinada comunidade foram conduzidas em praça pública, com a participação no poder dos membros da comunidade, ou seja, dos cidadãos:
Em síntese: a história da cidadania antiga só pode ser compreendida como um longo processo histórico, cujo desenlace é o Império Romano. De pertencimento a uma pequena comunidade agrícola, a cidadania tornou-se, com o correr dos tempos, fonte de reivindicações e de conflitos, na medida em que diferentes concepções do que fossem as obrigações e os direitos dos cidadãos no seio da comunidade se entrechocaram. Participação no poder, igualdade jurídica, mas também igualdade econômica foram os termos em que se puseram, repetidamente, esses conflitos, até que um poder superior se estabeleceu sobre o conjunto das cidades-estado e suprimiu da cidadania comunitária, progressivamente, sua capacidade de ser fonte potencial de reivindicações. O fim da cidade-estado antiga, por sua incorporação num império monárquico de grande extensão territorial, deu novo sentido a esses conflitos, que não mais se expressavam pelas linhas de clivagem que uniam e separavam os antigos cidadãos das cidades-estado da antiguidade. Quando os pensadores iluministas do século XVIII retomaram, a seu modo, a noção de cidadania, foi em outro contexto, buscando inspiração não na cidadania estendida e amorfa do Império Romano, mas naquela potencialmente participativa das pequenas cidades-estado que um dia repartiram entre si os territórios das planícies do Mediterrâneo. (Ibid., p. 45-46)
1.2 Revolução Francesa: advento da Cidadania moderna**
A Revolução Francesa (1789-1799) representa o advento da cidadania moderna. Nela os direitos que compõe a cidadania (civis, políticos e sociais)[2] ganham força e se tornam valores universais, repercutindo pelo mundo inteiro. Liberdade, igualdade e fraternidade como valores universais.
Essa revolução significou uma ruptura com o regime feudal. Os homens, antes alheios ao Estado (absolutista e estamental), baseado na produção artesanal, romperam com esse modo de organização da vida social e, conduzidos pela nova classe social (a burguesia) que vivia nas cidades (burgos), criaram uma nova sociedade baseada, não mais no sistema estamental, e sim, num sistema de classes sociais. Do ponto de vista da representação – da ideologia – a sociedade burguesa é pautada pela crença nos direitos humanos universais, como os afixados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793 que assegurava os direitos alienáveis do homem: igualdade, liberdade, segurança e propriedade.
O Estado tornou-se democrático, ou seja, de um círculo restrito a poucos, passou a ser uma esfera composta por todos os homens[3], por todos os cidadãos. Mesmo a igualdade abstrata - a cidadania política no âmbito do Estado - é de grande importância no processo de sua democratização, pois representou o advento das massas pobres do campo e da cidade ao Estado, contrariamente do antigo regime feudal caracterizado por tornar essa esfera “morada de poucos escolhidos”.[4]
Um filósofo brasileiro argumenta que, diferente da Revolução Francesa de
Assim, segundo ele,
O primeiro traço que distingue a declaração [dos Direitos do Homem e do Cidadão] francesa da [Declaração de Independência] americana é o fato de a primeira pretender ser universal, isto é, uma declaração dos direitos civis dos homens, repetimos e enfatizamos, sem qualquer tipo de distinção, pertençam não importa a que país, a que povo, a que etnia. É uma declaração que pretende alcançar a humanidade como um todo. É universal e por isso sensibiliza a seus beneficiados e faz tremer, em contrapartida, em toda a Europa, as monarquias que circundavam a França. (ODÁLIA, 2003, p. 164)
O que explica a ausência da análise sobre a Revolução Americana (1776) e sobre a Revolução Inglesa (século XVII). Tanto a Revolução Americana quanto a Revolução Inglesa foram tomadas de posições que possibilitaram o acontecimento histórico da Revolução Francesa. Talvez sem tentativas anteriores de rompimento do antigo regime feudal, a tomada da Bastilha, em 14 de Julho de 1789, não tivesse o mesmo significado que tem na história da humanidade. É na Revolução Francesa que se tem o marco definitivo de ruptura com a sociedade feudal e o surgimento da sociedade civil burguesa.
Portanto,
Nessa síntese rápida das idéias que caracterizaram o que chamamos de ‘século da Ilustração’ falta ainda o fundamental: tentar compreender como elas surgiram, pois uma idéia, um pensamento, um desejo e mesmo um sentimento não nascem do nada. Nascem de uma sociedade específica, com sua estrutura sociopolítica, cultural e econômica. [...] Tocqueville foi, talvez, o primeiro autor a demonstrar de maneira inequívoca que a Revolução não foi simplesmente a obra de alguns homens do século XVIII, mas sim a culminância de um processo histórico, cujas origens remontam, em suas próprias palavras, a dez gerações anteriores. Ainda segundo ele, as transformações profundas que nela ocorreram teriam acontecido, de qualquer maneira... (Ibid., p. 163)
Sobre a cidadania moderna que surge após as três revoluções dos séculos XVII e XVIII, e sobre o surgimento de uma nova classe social (o proletariado) a partir da Revolução Industrial, engendrada desde o século XVIII, um estudioso no assunto afirma:
Quando falamos, escrevemos ou pensamos sobre a cidadania, jamais podemos olvidar que ela é uma lenta construção que se vem fazendo a partir da Revolução Inglesa, no século XVII, passando pela Revolução Americana e Francesa e, muito especialmente, pela Revolução Industrial, por ter sido esta que trouxe uma nova classe social, o proletariado, à cena histórica. Herdeiro da burguesia, o proletariado não apenas dela herdou a consciência histórica do papel de força revolucionária como também buscou ampliar, nos séculos XIX e XX, os direitos civis que ajudou a burguesia a conquistar,
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