CERIMÔNIA DE POSSE DO PRESIDENTE LULA (2023) - DIÁRIO DE VIAGEM
08-01-2024 00:00PREÂMBULO
Incluir a quantidade de pessoas que nós colocamos na economia, que nós colocamos na política, que nós colocamos na sociedade organizada, e sem dar um único tiro – pelo contrário, levando tiro às vezes -, é quase que uma revolução pacífica que foi feita neste país. Eu tinha consciência disso e tinha consciência de que uma parcela da população tinha entendido o que fizemos (BOITEMPO, 2018, p. 28).
O Brasil precisa ver no que somos bons, então podemos pretender ser imbatíveis. Precisamos mapear isso e anunciar nossa decisão: este país vai ser uma grande nação (Idem, p. 59).
Agora, não vou voltar para ficar com raiva, senão é melhor não voltar. Se eu voltar para destilar ódio contra alguém, é melhor não voltar. Quero voltar para governar e provar que tenho competência de recuperar este país; depois de quatro anos, fazer de novo este país sorrir, as pessoas ficarem alegres, as pessoas terem possibilidade de trabalhar. É por isso que eu quero voltar. Não é para ficar me vingando de ninguém (Ibid., p. 82).
Esses trechos fazem parte da última entrevista de Lula, antes de ser preso pela Operação farsa jato, capitaneada pelo ex-juizeco de Curitiba, Sérgio Moro, em 2018, concedida à Ivana Jinkings, da Editora Boitempo. Naquele momento, parte considerável das energias da sociedade brasileira e do mundo político estavam voltadas para a possibilidade de o ex-presidente participar das eleições presidenciais, que seriam realizadas em outubro do mesmo ano. As pesquisas de intenção de voto cravavam o cenário de Lula na liderança da disputa presidencial, com possibilidades concretas de vitória no primeiro turno. Era preciso “tirar o ex-presidente da jogada”. Foi o que ocorreu. Lula ficaria preso por quase dois anos e Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), ganharia a eleição presidencial, em 2018, após vitória sobre o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad.
A miséria social do povo brasileiro piorou durante o (des)governo de Bolsonaro, que não convém detalhar neste espaço. Agora, em 2022, com o ex-presidente solto, tendo a sua condenação anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as chances de derrotar o militar reformado nas urnas e reconstruir este pais tornavam-se reais.
Assim, a campanha presidencial de 2022 foi uma das mais difíceis que presenciei, desde a primeira eleição presidencial que votei, em 1998. Ao fim e ao cabo, por uma diferença pequena de votos no segundo turno, o ex-presidente Lula (PT) é eleito para o seu terceiro mandato. Participar do cerimonial da posse, em Brasília, presenciando e registrando esse momento histórico, ainda mais depois de passarmos, aqui no Brasil, por duas pandemias (a de covid-19 e a do (des)governo de Bolsonaro), foi, para mim, a realização de um sonho pessoal e coletivo.
Portanto, convido você, leitor, a navegar comigo a bordo do meu primeiro diário de viagem.
PRIMEIRO DIA: QUINTA-FEIRA, 29 DE DEZEMBRO DE 2022
15:27h:
Começo os preparativos finais para a viagem à Brasília, com o objetivo de celebrar a posse de Lula como Presidente da República Federativa do Brasil, após o pleito eleitoral de outubro deste ano. Confesso que nessa hora uma euforia toma conta de mim, algo comum em momentos como esse, porém, há uma emoção diferente, um misto de frissom e de alegria que tomam conta da gente antes de eventos importantes.
Comemorar a posse de Lula para o seu terceiro mandato como Presidente, diante do contexto de miserabilidade social e obscurantismo tacanho do governo pandêmico de Bolsonaro – que não começou com ele, mas se aprofundou com o seu governo -, é uma vitória política da classe trabalhadora brasileira e, particularmente, uma vitória pessoal de Lula. Escrevo vitória pessoal de Lula por causa da perseguição que sofreu da operação lava jato, liderada pelo ex-juizeco de Curitiba, Sérgio Moro (eleito, em 2022, Senador da República, pelo estado do Paraná), em 2018. Vitória da classe trabalhadora diz respeito, especificamente, às políticas sociais e econômicas dos governos petistas dos últimos anos, que mesmo dentro dos limites da institucionalidade burguesa, ousou colocar o povão, os excluídos socialmente, no orçamento do país. Por mais que isso não tenha alterado um fio de cabelo dos lucros da burguesia nacional, durante o mesmo período, alterou traços da nossa sociabilidade de viés colonial. Brasileiros e brasileiras, condicionados historicamente a “nunca sonharem” com possibilidades de vida diferentes, puderam ver os seus filhos e filhas almejarem e alcançarem, mesmo com todas as durezas e contradições, postos mais dignos na estrutura social brasileira que deram a eles e às suas famílias condições melhores de vida da que os seus antepassados tiverem. Exemplo disso pode ser percebido no longa-metragem: Que horas ela volta?(2015), dirigido por Anna Muylaert.
Apesar de ter afirmado publicamente inúmeras vezes que não é revanchista, não duvido de que algum sentimento de revolta Lula deva nutrir e carregar consigo, após tudo o que passou.
15:43h:
Olho o relógio, já é hora de parar de escrever e terminar de arrumar a mochila para a viagem. O ônibus para Brasília parte às 19h da Rodoviária da Tietê. Como na canção a banda Legião Urbana, Faroeste Caboclo: Estou indo pra Brasília. Nesse país, lugar melhor não há... Concordo!
18:15h:
A Rodoviária do Tietê, que fica na zona norte da cidade de São Paulo, não estava cheia de gente, como imaginei anteriormente. Por ser final de ano, achei que haveria vários embarques simultâneos. Cheguei cedo ao local de embarque, com uma hora de antecedência; algo pouco comum em se tratando da minha pessoa. No entanto, a área de embarque estava com poucas pessoas. Por outro lado, a área de desembarque da rodoviária estava abarrotada de pessoas chegando em São Paulo.
Rodoviária... Local de chegadas e partidas, como portos e aeroportos, retrato fiel da diversidade e da potencialidade cultural de diferentes povos. Durante os seus dois governos, Lula – ironia do destino – foi acusado pela elite mestiça brasileira e a classe média tupiniquim de transformar os aeroportos brasileiros em rodoviárias, numa clara demonstração de preconceito de classe. Ora, mal sabem da potência cultural das rodoviárias brasileiras. É preciso que se registre isso. #rodoviáriaslovers
O céu está nublado, tempo fechado, algo fora do comum para o mês de dezembro em SP. A única sensação que faz com que não pareça que estamos nos meses de junho e julho é o mormaço; mesmo garoando neste momento. Olho o celular, a temperatura está marcando 25ºC. Logo mais, parto com destino à Brasília em uma viagem noturna – coisa que eu não gostava antes de experimentar pela primeira vez. Agora, viciei.
SEGUNDO DIA: SEXTA-FEIRA, 30 DE DEZEMBRO DE 2022
09:50h:
Após doze horas de viagem, chego em Brasília na Rodoviária Interestadual (nova). O céu está nublado. Por ser a capital da República brasileira, a rodoviária poderia ser mais aconchegante e arrumada, apesar de ser funcional. Pego o metrô até a estação central, no plano piloto (Explanada dos Ministérios), região onde ficarei hospedado. Apesar dos pesares golpistas dos “patriotários”, que não aceitam o resultado das urnas e da proximidade da posse do Presidente Lula, a capital expressa, ao meu ver, a sua rotina habitual – mesmo com alguns acampamentos em frente à base do Exército.
Na primeira vez que visitei Brasília, julho de 2019, me encantei com o charme da cidade. Brasília é o que é! Foi imaginada e construída no meio do cerrado para exercer a função de ethos político entre a sociedade e o Estado brasileiro, locus onde os anseios nacionais são recebidos, debatidos e destinados politicamente dentro das regras do jogo do estado democrático de direito; como idealizaram o urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer.
Os brasilienses, de origem candanga majoritariamente (trabalhadores migrantes que deram o seu sangue e suor na construção da cidade), expressam a diversidade cultural da brasilidade e da mestiçagem brasileira, na sua integridade e originalidade. Brasília é um caldeirão cultural! (professorkassiano.webnode.com.br/news/cronicas-de-viagem-ep02-brasilia-a-cidade-injusticada/)
Uma característica que me chamou a atenção na primeira vez que visitei a cidade e agora, é o desdém, o “pouco caso” eu chamaria, dos moradores com as “instituições políticas”; muitos deles sobrevivem na informalidade, lutando pelo sustento do dia a dia.
Ah, antes que eu me esqueça, os “patriotários”...
Fui advertido por pessoas próximas e familiares a tomar cuidado na posse do Lula, diante de “possíveis atentados” de bolsonaristas ensandecidos. A impressão que tenho é que esses escrotos e mimados não darão as caras por aqui, durante o cerimonial da posse do Presidente Lula. Ao chegar na Esplanada dos Ministérios, vejo uma motociata de 10 motos com homens brancos, vestidos com calça verde de oliva e colete com distintivos e estampas de motoclubes, buzinando e acelerando rapidamente. Somente isso. Nada mais. Querem dar o golpe dessa forma!? Quem liderará o processo!? Pensei. Piada...
19:30h:
Por mais que a minha memória tenha gravado o põr do sol em Brasília, vê-lo novamente é de uma beleza estonteante, mesmo em um dia nublado. O cerrado brasileiro carrega as idiossincrasias das ações humanas...
Vejo em um site jornalístico que hoje, na parte da tarde, o “aprendiz de ditador” foi embora em um avião, com destino aos EUA, para não passar a faixa presidencial ao Presidente Lula. Para mim, nenhuma surpresa. O militar reformado sempre foi e é um líder fraco, tacanho e boçal.
Bolsonaro fugiu! Foi para o nada, aquele que nada é!
A cidade está bonita. Parou de chover e as pessoas saem para as ruas com a intenção de conhecer as coisas boas da vida noturna da capital, que vão além da Esplanada dos Ministérios.
TERCEIRO DIA: SÁBADO, 31 DE DEZEMBRO DE 2022
10:15h:
Céu nublado e temperatura agradável. Último dia do ano. Brasília está lotada, cheia de gente animada, alegre e esperançosa. Os brasileiros voltaram a sorrir. Voltaram a ter vida, a ter brilho nos olhos. 2022 foi um ano difícil, mas sobrevivemos. Sobrevivemos...
Como um bom paulistano, farei hoje um “rolê de metrô” por Brasília e pelas cidades-satélites, até Ceilândia. A canção de Belchior, Sujeito de sorte, a cada ano ganha força e novos significados. E é com ela que finalizo este ano, desejando Fé na vida, na humanidade e Força a todos.
20:10h:
Hoje o céu da capital permaneceu nublado e chuvoso, com uma temperatura amena para o cerrado. Aproveitei o dia para visitar as cidades-satélites: Taguatinga, Guará e Ceilândia. Cidades adjacentes ao Plano Piloto.
É noite de ano novo e de novo governo. Estou animado para o dia de amanhã na posse do Presidente Lula, misturado com os ânimos e alegrias dos brasileiros que cá estão, dos quatro cantos do país. Brasília está um mar vermelho!
No momento que sento para escrever, escuto a fala do presidente em exercício, Hamilton Mourão – (Senador da República, eleito pelo Rio Grande do Sul, em 2022). O vice-presidente “falou aos brasileiros e às brasileiras” em rede nacional, criticando os presidentes dos três poderes da República (executivo, legislativo e judiciário), comentando sobre a situação da Amazônia e as “ações do governo” e, ao final, procurou cativar o espólio conservador e liberal de Bolsonaro; tal como uma boiada sem rumo à procura de um vaqueiro para liderar o rebanho.
Preciso comer para comemorar a passagem de ano-novo. Feliz 2023!
QUARTO DIA: DOMINGO, 01 DE JANEIRO DE 2023
08:58h:
Manhã de céu aberto na capital federal, diferente dos dias anteriores. Sinal de novos tempos. O sol raiou no céu e na sociedade brasileira. Temperatura amena, apesar do clima seco, característico da capital federal. Nunca imaginei passar a virada de ano em Brasília. 2022 e suas surpresas...
Para comemorar a alvorada de 2023, escolhi o bar Birosca do Conic, localizado ao lado da Rodoviária do Plano Piloto (velha). Foi uma indicação da amiga Indara Mayer, Professora de História, militante de esquerda e “especialista em baladas underground no distrito federal”. Escrevo isso em tom de brincadeira, para registrar a nossa surpresa com o estilo do bar, que lembra os bares alternativos das regiões de Pinheiros e da Augusta, na cidade de São Paulo. Na minha cabeça, o bar estaria próximo aos ambientes dos bares paulistanos das regiões da Vila Madalena. Ledo engano...
Passada a primeira impressão e degustada algumas cervejas e drinks, já me senti em casa, como se conhecesse há anos o local – um legítimo cidadão brasiliense.
Agradeço imensamente a Indara Mayer e seu grupo de amigos de esquerda, que me proporcionaram uma virada de ano agradável e única, cantando e dançando ao som das canções: Faraó, da cantora e, agora, Ministra Margareth Menezes, e Tá na hora do Jair já ir embora, dos cantores Juliano Maderada e Tiago Doidão. Fui embora cedo, logo após os fogos de ano-novo e de gritar inúmeros “FORA BOLSONARO!!!” e, como o narrador esportivo Galvão Bueno: “ACABOU!!!”
O bar Birosca do Conic é citado nominalmente porque foi aqui, no contexto da ditadura civil-militar brasileira, que foi fundada a banda Aborto Elétrico, que deu origem às bandas de rock nacional da década de 1980, como a Legião Urbana, por exemplo. Já prevejo a alegria do amigo André Portugal, Professor de Física e fã eterno da banda e do Renato Russo, ao ler esse diário. Não deve se conter em lágrimas de alegria...
Saber da história do bar, informada pelo amigo Thiago, namorado da minha amiga Patrícia Farias, Professora de História, me fez gostar mais ainda de Brasília. Além da riqueza da literatura local, me fez sentir-se importante na história da cidade e justificou o preço cobrado pelo ingresso do evento underground: Réveillon Vermelho no bar Birosca do Conic!
10:29h:
Faço check-out no hotel e parto para a Esplanada dos Ministérios.
Encontro-me com a Patrícia, o Thiago e a Luciene, amiga petista da Patrícia e Professora de Língua Portuguesa, em frente ao Teatro Nacional, localizado ao lado esquerdo do Plano Piloto, sentido Praça dos Três Poderes; que passaram a noite na estrada dento de um ônibus com a potência de uma lesma. O Teatro possui uma arquitetura com partes da sua estrutura exterior em formato de blocos, funcionando como “pequenos bancos” para se sentar ou escalar. Afinal, foi nesse local que filmaram uma das cenas iniciais do filme Eduardo e Mônica (2020), dirigido por Renê Sampaio.
Seguimos direto pelo eixo monumental, à esquerda no sentido ao Congresso Nacional. Inúmeras pessoas caminhando, cantando, tocando tambores e carregando cartazes e faixas que mostrava as cidades de onde elas vieram. Apesar das pessoas estarem com camisetas de diversas cores, inclusive verde e amarela da seleção brasileira, identificada com o número 13 – Eu, particularmente -, a cor vermelha tomou conta das ruas. O mar vermelho encheu Brasília de alegria.
As polícias federal e local organizaram a entrada de, mais ou menos, trinta mil pessoas na Praça dos Três Poderes, que eram revistadas com detectores de metal. O restante da população ficou reunida em torno do “Palco do Futuro”, onde haviam shows, barracas de comida e bebida, espaços para descanso com mesas e cadeiras - já que o sol de Brasília “vale por dois” -, pequenos palcos, a loja oficial do Partido dos Trabalhadores (PT), telões dos dois lados do eixo monumental e o “Gigantão”. Uma estrutura inflável do Lula, onde as pessoas paravam para fotografias e filmagens. Um verdadeiro festival. O festival do futuro. O festival do Lulapallosa...
14:30h:
Com centenas de milhares de pessoas à sua espera, o Presidente eleito Lula, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, transfigurado em “Companheiro Alckmin” (Nunca critiquei. SQN!) e a sua esposa, Lu Alckmin, desfilam em carro aberto, o Rolls-Royce presidencial pela via direita do eixo monumental - partindo do lado da Catedral de Brasília (Nossa Senhora Aparecida) e do Museu Nacional. A alegria e a emoção tomam conta das pessoas ali presentes e de milhões de pessoas ao redor do Brasil e do mundo. Foi difícil conter as lágrimas de alívio e de felicidade.
Lula tomou posse no Congresso Nacional, discursando como um verdadeiro estadista que é. Emocionado, proferiu um discurso republicano, onde cada frase dita era sentida como um bálsamo a renovar as esperanças da população brasileira por dias melhores. Após o discurso e de assinar o termo de posse com a caneta que ganhou de presente de um militante, em 1989, Lula segue para o Palácio do Planalto, onde subirá a rampa presidencial”.
17h:
Ah, a rampa... Um país, uma sociedade, um estado se faz, também, por símbolos. Quanta simbologia e emoção nesse momento da história do país e de Lula...
O ex-presidente deveria passar a faixa presidencial para Lula. Fugiu... Melhor assim. Entre gritos de anseio coletivo: “DILMA, PASSE A FAIXA!”, o que se viu foi um acontecimento de “catarse nacional”, onde o Brasil se encontrou consigo mesmo, com a sua história. Aos prantos, emocionado pelo momento e reverenciado por mais de trinta mil pessoas reunidas na Praça dos Três Poderes, Lula sobe a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de uma criança negra, do bairro de Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo, de uma catadora de materiais recicláveis, da cidade de Brasília, de uma liderança indígena, de uma cozinheira, de um metalúrgico, de um Professor, de um rapaz com paralisia cerebral e de um artesão. Oito pessoas representativas do povo brasileiro, mais a cachorrinha “Resistência”.
A faixa presidencial passou de mãos em mãos até, por fim, chegar nas mãos da catadora Aline Sousa, que foi a responsável por colocá-la no Presidente Lula que, emocionado, a recebeu com muito carinho, dando um forte abraço em Aline.
Enfim, o Brasil tomou posse de si mesmo! O povo brasileiro tomou posse de si mesmo!
Tenho certeza de que esse sentimento era compartilhado por todas as pessoas que estavam acompanhando a posse, seja presencialmente ou à distância.
Em seguida, o Presidente Lula foi ao Parlatório discursar para o povo, onde mais uma vez, emocionado e em prantos, voltou a falar da atual fome e miséria do nosso povo, se comprometendo, mais uma vez na sua vida, a lutar contra essa dura forma de opressão e aviltamento da sociedade capitalista brasileira.
17:40h:
Em cima do relógio deixo a Esplanada dos Ministérios no final do discurso de Lula no Parlatório do Palácio do Planalto, rumo ao hotel ali perto para a retirada da minha mochila e seguir viagem, emocionado, cansado, mas com a alma renovada. Não vi no dia de hoje a Indara e a Gabriela, Professora de Geografia na escola onde trabalho.
A estação central do metrô de Brasília estava lotada de gente, um mar vermelho, compartilhando a mesma sensação de euforia.
18:50h:
Chego na Rodoviária Interestadual de Brasília. O ônibus com sentido à Belo Horizonte (MG) parte em dez minutos. É o tempo de comprar uma garrafa de água de coco e um açaí na tigela, com o objetivo de colocar alguma coisa no estômago.
19:13h:
O ônibus parte de Brasília rumo à capital mineira. Com fome e sede, devoro o açaí e a água de coco, refletindo acerca dos momentos históricos que vivi em Brasília nessa passagem de ano, marcada pela posse de Lula. Experiências que ficarão registradas na minha memória para sempre, na memória do país, por intermédio deste singelo diário de viagem, o “diário da posse”.
Até mais, Brasília. Voltarei em breve.
21:35h:
Acordo com o ônibus parando para o jantar, na cidade de Cristalina (GO). Primeira curiosidade. Acostumado com a métrica cronológica das paradas de ônibus, onde o motorista fala: “Parada em vinte minutos”, o motorista desse ônibus falou: “Parada para o jantar”. Perguntei: “Quanto tempo, pois estou com fome?” Ele respondeu: “O tempo necessário para vocês jantarem”. Feliz, jantei sem pressa. Após cinquenta minutos de parada, o ônibus seguiu viagem.
Segunda curiosidade. O restaurante estava cheio de gente com camisetas vermelhas, que fizeram um “bate-volta” de Minas Gerais à Brasília. A cidade goiana de Cristalina faz divisa com Minas Gerais, na região do cerrado mineiro. Um mar vermelho de brasileiros e de brasileiras, de pele morena, com corpos cansados e famintos – Eu, inclusive -, mas com as almas lavadas e com sorrisos nos rostos.
QUINTO DIA: SEGUNDA-FEIRA, 02 DE JANEIRO DE 2023
18:35h:
Sob o sol entre nuvens na capital mineira e após descansar, sento para escrever procurando refletir sobre as experiências vividas nos últimos dias, desde a partida de São Paulo, em 29/12/2022.
Primeira coisa que chama a minha atenção. Percebo que até agora foram escritas treze páginas no caderno de viagem. Coincidência!? Talvez, sim. Segunda coisa. Lendo os jornais e vendo os telejornais referentes à cobertura da posse do Presidente Lula, vejo o nível raso dos jornalistas que não compreendem, ou não querem compreender, a complexidade mais profunda da sociedade brasileira e dos diferentes motivos que levaram as pessoas a saírem das suas casas e irem à Posse – na maioria dos casos, arcando com os custos da viagem.
Encerro o diário de bordo com a seguinte mensagem que espero, um dia, ser compreendida na sua profundidade por todos os brasileiros e brasileiras: A posse do Presidente Lula, em 01/01/2023, representou o reencontro do Brasil consigo mesmo. Um reencontro do povo brasileiro com a sua própria história e com a (re)construção de uma sociedade mais igualitária. Em outras palavras, e assim concluo a escrita, quem, de fato, tomou posse ontem foi o povo brasileiro.
É óbvio que sou sabedor dos limites da política institucional. No entanto, um bom presidente, um bom estadista tem que inspirar, em si e para si, a superação das amarras do povo que ele governa, criando possibilidades e incentivando potencialidades para o povo brasileiro ser mais do que ele, no momento, é. No sentido aqui referenciado, o Presidente Lula é único na história política brasileira. Um representante legítimo da classe trabalhadora nacional que, com muito custo chegou à posição mais alta da República, reconhecido internacionalmente; e que, após todos os percalços pelos quais passou, ter a chance de governar o país novamente.
Eu participei desse momento da história brasileira!
POST SCRITUM
Por que não publiquei esse diário no início do mês de janeiro, de 2023, quando o evento da posse do Presidente Lula estava nas mentes das pessoas? A minha ideia era, retornando da viagem, organizar os registros e publicá-lo, no domingo 08/01/2023.
Como presenciado por todos, a “baderna golpista” na Praça dos Três Poderes realizada por apoiadores do ex-presidente, Bolsonaro, o “bundão”, o “fujão”, ocupou as atenções de toda a sociedade e imprensa brasileira, com ressonância internacional. Toda essa maluquice que presenciamos, reverberou e ainda reverbera de forma diferente em cada cidadão. No meu caso, reverberou na forma de bloqueio em publicar o diário no meu blog pessoal. Na minha cabeça, se eu publicasse naquele momento, não teria o efeito nas pessoas de refletirem sobre o sentido, a simbologia do governo atual do Presidente Lula.
Decido publicá-lo agora, transcorrido um ano de governo Lula, na data onde se “comemora a vitória das instituições políticas brasileiras”. Fazê-lo possibilita um olhar distanciado do passado. É evidente de que a atual gestão de Lula, enfrenta desafios e dificuldades diferentes das gestões anteriores, com acordos e negociações com o Congresso Nacional, muitas vezes contrárias aos interesses e desejos dos movimentos sociais e progressistas que confiaram o seu voto no petista. Contudo, quando afirmei e continuo afirmando de que o “povo brasileiro tomou posse de si mesmo”, faço no sentido de marcar uma posição. Toda e qualquer mudança social é feita com e pela mobilização de setores da sociedade. O destino de si mesmo é realizado pela classe trabalhadora.
Em suma, não mudaria uma vírgula do que registrei no texto. Kassiano, você e as outras pessoas não perceberam que os apoiadores do militar reformado estavam “preparando um golpe”? Não! Não percebi e acredito que muitas pessoas também não perceberam, pois não se via, naquele momento da Posse de Lula, indícios de golpe. Por isso, optei por deixar o que escrevi no segundo dia da mesma forma que estava no caderno de anotações.
#democraciasempre
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, K. C. S. Crônicas de viagem - #EP02 – Brasília: a cidade injustiçada. Blog do Professor Kassiano. São Paulo, 12 jan. 2022. Disponível em: https://professorkassiano.webnode.com.br/news/cronicas-de-viagem-ep02-brasilia-a-cidade-injusticada/. Acesso em: 07 jan. 2023.
SILVA, L. I. L. et al. A verdade vencerá: o povo sabe por que me condenam. São Paulo: Boitempo, 2018.
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